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segunda-feira, agosto 22, 2022

RESENHA - “O queijo e os vermes” de Carlo Ginzburg



Carlo Ginzburg nasceu em Turim no dia 15 de abril de 1939, é um historiador e professor italiano, muito conhecido por seus estudos sobre a micro-história. Ficou famoso no Brasil através da sua obra “O queijo e os vermes” escrita em 1976 e algumas outras obras não menos importante que vieram após esta. Carlo é filho do professor e tradutor Leone Ginzburg e da Romancista Natalia Ginzburg, uma família de Judeus e intelectuais. Como podemos observar, Carlo já tinha uma grande carga familiar para seguir uma carreira como escritor, mas não se limitou só a isto.

Portanto, a micro-história, é considerada um gênero historiográfico surgido com a publicação na Itália, por Carlo e Giovanni Levi, entre 1981 e 1988.

Desde os anos de 1980, levar em consideração as escalas de observação assumiu um lugar importante no debate dos historiadores. O programa de uma micro-história foi recebido como uma proposta nova, incômoda, nem que fosse porque rompia com os hábitos da historiografia dominante. Ele suscitou com certeza mais espanto do que convicção, foi frequentemente acolhido com incompreensões e encontrou, reconheçamos, mais que reticência por parte dos historiadores profissionais. (REVEL, 2010, p. 434)

O papel da micro-história é focar em objetos de pesquisas bem específicos para se ter novas realidades da história. Sendo assim, a micro-história complementa os estudos da História Geral, ela busca pesquisar fatos que a História em si não conta, que pode ser muito importante em um contexto geral.

Enquanto a História Regional corresponde a um domínio ou a uma abordagem historiográfica que foi se constituindo em torno da idéia de construir um espaço de observação sobre o qual se torna possível perceber determinadas articulações e homogeneidades sociais (e a recorrência de determinadas contradições sociais, obviamente), já a Micro-História corresponde a um campo histórico que se refere a uma coisa bem distinta: a uma determinada maneira de se aproximar de uma certa realidade social ou de construir o objeto historiográfico. (BARROS, 2011, p. 152-179)

Retomando então, a obra “O queijo e os vermes” de um dos pioneiros da micro-história Carlo Ginzburg, relata a história de um moleiro italiano nos fatídicos tribunais de inquisição. No início da obra Carlo comenta, “Passei parte do verão de 1962 em Udine. O Arquivo da Cúria Episcopal daquela cidade preserva um acervo de documentos inquisitoriais extremamente rico e, aquela época, ainda inexplorado.” (GINZURG, 2006, p.9). Então, é onde entra o seu papel como pioneiro da micro-história, o que se pode perceber é que ela veio com o intuito de pesquisar fatos e objetos da história até então “menos importante”, como a vida de um moleiro. Esses documentos dito por ele “inexistentes”, na verdade existiam obviamente, mas pelo que parece nenhum historiador teve vontade ou achou importante estudar, analisar aqueles documentos, partindo disto que surgiu a obra “O queijo e os vermes”.

Os documentos claramente eram bem fartos de informações e Carlo soube contar muito bem esta história, se importando com cada detalhezinho do personagem e de toda a história em si. E como naquela época não existiam métodos tão fáceis de pesquisar como hoje e como um bom historiador, Carlo explorava, como conta no início da obra.

Ao folhear um dos volumes manuscritos dos julgamentos, deparei-me com uma sentença extremamente longa. Uma das acusações feitas a um réu era a de que ele sustentava que o mundo tinha sua origem na putrefação. Essa frase atraiu minha curiosidade no mesmo instante, mas eu estava à procura de outras coisas: bruxas, curandeiros, benandanti. Anotei o número do processo. Nos anos que se seguiram, essa anotação ressaltava periodicamente de meus papéis e se fazia presente em minha memória. Em 1970 resolvi tentar entender o que aquela declaração poderia ter significado para a pessoa que a formulara. Durante esse tempo todo a única coisa que sabia a seu respeito era o nome: Domenico Scandella, dito Menocchio. (GINZBURG, 2006 p. 9)

Vamos conhecer então este moleiro, Domenico Scandella, conhecido por Menocchio. “Nascera em 1532 (quando do primeiro processo declarou ter 52 anos), em Montereale, uma pequena aldeia nas colinas do Friuli, a 25 quilômetros de Pordenone, bem protegida pelas montanhas.” (GINZBURG, 2006, p. 31). 

Viveu sempre ali, exceto dais anos de desterro após uma briga (1564-65), transcorridos em Arba, uma vila não muito distante, e numa localidade não precisada da Carnia. Era casado e tinha sete filhos; outros quatro haviam morrido. Declarou ao cônego Giambattista Maro, vigário-geral do inquisidor de Aquiléia e Concórdia, que sua atividade era "de moleiro, carpinteiro, marceneiro, pedreiro e outras coisas". Mas era principalmente moleiro; usava as vestimentas tradicionais de moleiro - veste, capa e capuz de lã branca. E foi assim, vestido de branco, que se apresentou para o julgamento. (GIZBURG, 2006, p. 31)

O pobre Menocchio, visto apenas como moleiro, era sim um trabalhador, que sustentava sua casa como qualquer pai de família daquela época. Menocchio fora acusado por ter sido herege contra Cristo, ou será que ele teria sido apenas herege contra o Cristo que eles pregavam? Seria ele um indivíduo indagador?

Em 28 de setembro de 1583 Menocchio foi denunciado ao Santo Oficio, sob a acusação de ter pronunciado palavras "heréticas e totalmente ímpias" sobre Cristo. Nao se tratara de uma blasfêmia ocasional: Menocchio chegara a tentar difundir suas opiniões, discutindo-as ("praedicare et dogrnatizare non erubescit"; ele não se envergonhava de pregar e dogmatizar). Esse fato agravava muito sua situação. (GIZBURG, 2006, p. 32)

O que podemos entender da frase dita por Menocchio, é que ele claramente faz uma crítica ao jeito que os ensinamentos de Cristo são obedecidos. “Dogmatizar”, significa ensinar com autoridade, que deriva da palavra “Dogma”, que na maioria dos dicionários com diferentes palavras, tem a seguinte definição: Ponto fundamental e indiscutível de uma crença religiosa. Com esta frase, ele talvez queira ter dito que as pessoas seguem cegamente suas crenças como dogmas, sem indagar, sem ter dúvidas, sem questionar, mas o que Menocchio pensa de fato, saberemos mais à frente.

Tais tentativas de proselitismo foram amplamente confirmadas pela investigação que se abriu um mês depois em Portogruaro e prosseguiu em Concórdia e na própria Montereale. “Discute sempre com alguém sobre a fé, e até mesmo com o pároco” - foi o que Francesco Fasseta comentou com o vigário-geral. Segundo outra testemunha, Domenico Melchiori: “Costuma discutir com todo mundo, mas, quando quis discutir comigo, eu lhe disse: ‘Eu sou sapateiro; você, mo1eiro, e você não é culto. Sobre o que é que nós vamos discutir? ‘”. (GIZBURG, 2006, p. 32)

Na época em que ele vivia, a grande imposição dos mais dotados de inteligência sobre religião era grande, existia uma enorme doutrinação e um simples moleiro não tinha capacidade de discutir tais assuntos, na visão da sociedade. As pessoas tinham que apenas abaixar a cabeça para os dogmas impostos pelos líderes religiosos. “Porém, Menocchio dizia não acreditar que o Espírito Santo governasse a Igreja, acrescentando: “Os padres nos querem debaixo de seus pés e fazem de tudo para nos manter quietos, mas eles ficam sempre bem”; e ele “conhecia Deus melhor do que eles””. (GINZBURG, 2006, p.32).

Se a sociedade naquele tempo estava debaixo de doutrinações religiosas, certamente alguém que fizesse tais comentários afirmativos sob estes dogmas não seria visto de uma boa forma pela sociedade e se tornaria uma ameaça para a Igreja. “E, quando o pároco da vila o levara a Concórdia para se encontrar com o vigário-geral, a fim de que suas ideias clareassem, dizendo-lhe “esses seus caprichos são heresias””. (GINZBURG, 2006, p. 33).

Tinha prometido não se meter mais em tais assuntos - todavia, logo depois recomeçou. Na praça, na taverna, indo para Grizzo ou Daviano, vindo da montanha - “não se importando com quem fala”, comenta Giuliano Stefanut, “ele geralmente encaminha a conversa para as coisas de Deus, introduzindo sempre algum tipo de heresia. E então discute e grita em defesa de sua opinião”. (GINZBURG, 2006, p. 33)

A partir desta leitura, Menocchio era visto como um simples moleiro, não pertencia a grande parte “nobre”, e fora perceptivelmente proibido de expressar suas opiniões sobre religião, Deus e afins. Era visto, ressaltando o último parágrafo como uma ameaça aos dogmas que a Igreja impunha para seguir com uma sociedade “mais civilizada”. Se ele continuasse indagando as crenças, outras pessoas poderiam seguir suas ideias e opiniões e isso não seria muito bom para a Igreja. Algumas pessoas preocupadas com Menocchio ou com medo do que lhe poderia acontecer, avisavam ele: “Menocchio, pelo amor de Deus, não vai falando essas coisas por ai!”. (GINZBURG, 2006, p. 33).

Eu te disse várias vezes, especia1mente uma, indo para Grizzo, que eu gostava dele, mas não podia suportar seu jeito de falar das coisas da fé, que sempre discutiria com ele e que, se cem vezes me matasse e depois eu voltasse a viver, continuaria a me deixar matar pela fé". (GINZBURG, 2006, p. 33).

“O padre Andrea Bionima havia até mesmo feito urna ameaça velada: “Cale a boca, Domenego, não diga essas coisas, porque um dia você se arrepende””. (GINZBURG, 2006, p. 33). As pessoas viam e diziam que Monecchio já tinha má fama e opiniões erradas. (GIZNBURG, 2006). Carlo faz um comentário bem válido para a história do injustiçado moleiro: 

Aparentemente algumas afirmaçõs de Menocchio remontavam não apenas há poucos dias, mas há “muitos anos”, até mesmo há trinta anos. Durante todo esse tempo ninguém o denunciara na cidade, embora seus discursos fossem conhecidos por todos. As pessoas repetiam as palavras dele, algumas com curiosidade, outras balançando a cabeça. (GINZBURG, 2008, p. 34)

“É verdade que entre aqueles existiam parentes, como Francesco Fasseta ou Bartolomeo di Andrea, primo de sua mulher, que o definiram como “homem de bern””. (GINZBURG, 2006, p.34). Menocchio não acreditava no Deus que era pregado, evidentemente. Começou a indagar as leis de Deus, pensava que tudo aquilo que foi dito por Deus não poderia ser verdadeiro. 

É verdade que eu falei disso com várias pessoas, mas não forçava ninguém a acreditar; pelo contrário, convenci muitos dizendo: ‘Vocês querem que eu ensine a estrada verdadeira? Tente fazer o bem, trilhar o caminho dos meus antecessores e seguir o que a Santa Madre Igreja ordena’. Mas aquelas palavras que eu disse antes eu dizia por tentação, porque acreditava nelas e queria ensiná-las aos outros; era o espírito maligno que me fazia acreditar naquelas coisas e ao mesmo tempo me instigava a dize-las aos outros". (GINZBURG, 2006, p. 36)

Pode-se dizer que Monecchio acreditava que dentro da Igreja existia um espírito maligno que doutrinava as pessoas e lhes-cegavam e fez isso com ele também, não acreditava que existira um espírito Santo e bom como era pregado. 

Segundo Carlo: “Com tais palavras Menocchio confirmava a suspeita de que ele tivesse desempenhado, na aldeia, o papel de professor de doutrina e de comportamento”. (GINZBURG, 2006, p. 36). Com este comentário, podemos até pensar que Menocchio queria doutrinar as pessoas também, mas com ideias diferentes. Mas Menocchio, com seus pensamentos podemos interpretar ele de várias formas. Um doutrinador ou apenas alguém que achava Deus um tanto soberbo e injusto que queria que todos lhe servissem?

Eu disse que segundo meu pensamento e crença tudo era um caos, isto é, terra, ar, água e fogo juntos, e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses foram os anjos. A santíssima majestade quis que aquilo fosse Deus e os anjos, e entre todos aqueles anjos estava Deus, ele também criado daquela massa, naquele mesmo momento, e foi feito senhor com quatro capitães: Lúcifer, Miguel, Gabriel e Rafael. O tal Lúcifer quis se fazer de senhor, se comparando ao rei, que era a majestade de Deus, e por causa dessa soberba Deus ordenou que fosse mandado embora do céu com todos os seus seguidores e companhia. Esse Deus, depois, fez Adão e Eva e o povo em enorme quantidade para encher os lugares dos anjos expulsos. O povo não cumpria os mandamentos de Deus e ele mandou seu filho, que foi preso e crucificado pelos judeus. E acrescentou: “Eu nunca disse que ele se deixara abater feito um animal”. (GINZBURG, 2006, p. 37)

“Tudo pertence à Igreja e aos padres. Eles arruínam os pobres. Se têm dois campos arrendados, esses são da Igreja, de tal bispo ou de tal cardeal” (SCANDELLA IN GINZBURG, 1987, p. 63). Monecchio Infelizmente tempo depois foi condenado, porque claramente não aceitou abaixar a cabeça para as doutrinações impostas e sendo assim não sossegou até ser condenado e morrer. 

Carlo percebeu que naquela época venciam apenas os dominantes e que os dominados não tinham voz. Ressaltando a ideia de que as histórias sempre são contadas pelos vencedores, mas e os vencidos? Também não são indivíduos com suas próprias histórias para contar? Porque ninguém lhes dão ouvidos ou importância? Como futuros historiadores, podemos seguir a ideia da micro-história, não contar só um lado da história, porque afinal cada história tem vários lados e é contado por quem viveu de formas diferentes, e cada qual tem sua importância. A história do moleiro por exemplo, nos mostra que a Igreja não era tão boazinha como nos contam quando somos crianças, mas obviamente isso não quer dizer que Monecchio estava certo sobre a existência de Deus, talvez ele só estivesse indagando e criticando a Igreja e a forma como os indivíduos como ele eram vistos e tratados, não podendo expressar quais quer opiniões contrárias. Esperamos que a liberdade de expressão seja um direito de qualquer ser humano.


(2014) The Physician: "O Físico" - um resumo, uma análise com base em conhecimentos históricos



 

Nesse filme a história se passa por volta do século XI, com sua narrativa voltada para um jovem inglês chamado Rob Cole. Cole que perde sua mãe, quando ainda criança, por uma doença dita até então incurável, colocavam na “mão de Deus”, eles nomearam-na “doença do lado”. Logo após do ocorrido seus irmãos foram adotados por outra família, Rob Cole não por que já era grande, poderia dar gastos com o alimentos e por isso já poderia seguir seu próprio rumo.

Na noite que sua mãe morrera, ele conhece um tal de “Barbeiro” chamado Bader, prometendo curar doenças, atendendo a qualquer que precisasse e pudesse pagar. Ele se junta a Bader, tornando-se uma espécie de aprendiz. 

Passam anos, Rob acumula conhecimentos de Bader sobre cuidar de pessoas doentes, mais o garoto é ambicioso e sonha obter mais conhecimento na arte da cura. Ao decorrer de suas viagens, por causa de uma cegueira em Bader,  Rob Cole é nomeado um “Barbeiro”, pelo fato de Bader não conseguir fazer os procedimentos de um “Barbeiro”. 

Eles descobrem um Judeu que poderia curar a sua cegueira, foram até o Judeu curandeiro. Bader então é curado de sua cegueira, isso desperta um enorme interesse em Rob, é onde ele acaba ouvindo sobre um mestre, considerado o melhor “curandeiro” ou “médico” do Oriente, chamado Ibn Sina, mas só poderia entrar em terras Persas, se fosse Judeu, pelo fato de cristãos serem proibidos naquelas terras, mas Rob deixa de lado sua religião(Cristã) para ter o mais queria, sabedoria. Enfim ele sai em sua jornada da Inglaterra até a Pérsia.

Até essa parte da decisão de Rob Cole de ir para o Oriente, vemos um cenário sombrio, com poucas luzes, com mortes, que geram tristeza, com separação de irmãos, faz nós telespectadores gerar pensamentos negativos sobre tal período, também vemos a medicina em sua formação e aprimoramento, as cirurgias eram feitas sem nenhum tipo de anestesia. Mas com esses pensamentos de preconceito imposto pelos renascentistas, no século XVI, é normal para um filme se basear somente nesses tais preconceitos, eles são produzidos para nos prender a atenção com um enredo romantizado.

Uma cena me chamou atenção, durante o trajeto de Rob para o Oriente, ele conhece uma jovem mulher árabe, chamada Rebecca, que falam sobre seus motivos de irem à Pérsia; ele fala sobre sua sedenta cede de conhecimento, mas Rebecca fala apenas isso, “uma negociação”. Mais para frente no filme eles se reencontram, e Rob entende o que era de fato a tal “negociação”. Os casamentos eram vistos como uma forma de unificar patrimônios e riquezas, de fato um negócio, por mais que ela não “amasse” aquela pessoa, teria que se casar por obrigação, para o tal “negócio” ocorresse.

Já no Oriente, a visão sombria se deixa de lado em certo período, se percebe o aprimoramento em algumas questões de sociedade, uma delas seria na parte da medicina, em comparação com a primeira parte do filme que se passa na Inglaterra; é um sistema mais organizado, o sistema de controle de doenças mais aprimorado, eles já tinham controlado a peste negra, mas volta como é visto no filme, por causa de conflitos entre reinos, mas novamente foi controlada. Com cenas mais claras, mas que também contém mortes, tristezas, mas alegria sendo predominante. 

Nos foi apresentado esse filme, na finalidade de nós observarmos, com base da desconstrução do termo “Idade Média”, o filme nos traz duas sociedades em contextos parecidos, mas ao mesmo tempo diferentes, com outras experiências, dentro do mesmo período. Onde há, de certo modo, uma tentativa de mostrar que o preconceito no Ocidente com o Oriente, é reciproco.

Nós como estudantes/apreciadores/entusiastas de História, devemos acabar com esse pensamento renascentista de que a “Idade Média” foi algo ruim, que foi um intervalo no tempo. 


TRAILER 

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Destaque

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